A situação do teatro em Portugal

  Eça de Queirós marcou, indubitavelmente, a história da literatura portuguesa. Por inúmeras razões: a excelência da sua escrita, o realismo perfeito das suas descrições, a sua sagaz ironia, a forma como denunciou a sociedade fútil em que viveu e, actualmente, pela "infeliz" contemporaneidade dos seus textos. De facto, é motivo de admiração (e também de receio) parecer-nos que este escritor do século XIX possuía um telescópio apontado para o futuro. Como esta hipótese é pura fantasia, teremos de admitir que o país não mudou muito em pouco mais de 100 anos, comprovando, portanto, a actualidade de Eça. 

  Em "Uma Campanha Alegre", é possível encontrar uma reflexão deste escritor sobre o estado do teatro em Portugal. Lendo apenas umas cinco linhas, reconhecemos diversas semelhanças com o estado actual desta arte. Com plena consciência desta situação, Espaço Aberto reuniu num pequeno texto as ideias chaves do referido comentário queirosiano. Lido antes de todas as peças de teatro levadas à cena na semana do Segundo Festival de Teatro, este texto é um misto de desabafo e de esperança de que, tendo o público consciência do que nos assemelha ao século XIX, possamos mudar o Estado da Arte Teatral no nosso país.


Novembro, 1871,

            O Teatro em Portugal vai acabando. Por dois motivos. Primeiramente pelo abaixamento geral do espírito e da inteligência entre nós: e depois pelas condições industriais e económicas dos teatros.

            O outro motivo da decadência dos teatros: a pobreza geral. Não há dinheiro. Lisboa é uma terra de empregados públicos. A carestia da vida, os altos alugueres, o preço do fato, tudo isto deixa a bolsa cansada, incapaz de teatros. O teatro é caro. Por consequência a afluência aos teatros é pequena. Daí dívidas, complicações e falências.

           Tal é o perfil do estado geral dos nossos teatros, a largos traços.

            Perante esta situação ocorre naturalmente esta pergunta: qual é a atitude do Estado, respectivamente aos teatros?

            É esta:

            O Governo não dá nada aos teatros nacionais;

            E dá 25 contos a S. Carlos!

            O teatro nacional que tenha um subsídio, se torne uma escola, um centro de arte, um elemento de cultura. Só isto é o senso, a verdade, a dignidade.


   

Arte


A arte oferece-nos a única possibilidade de realizar o mais legítimo desejo da vida - que é não ser apagada de todo pela morte.
                                        Eça de Queirós